segunda-feira, 29 de março de 2010

Flores horizontais

A brancura do papel, era difícil encará-la torpe de remédios.

Olhava para as flores daquele jardim que, visto de dentro, era quase engolido pela janela do quarto, único cômodo da casa.

Seu corpo nu, entregue, desnudava partes outras que não pretendia expor de si, de uma vida podada a golpes fortes demais para que lhe arrancassem mais do que apenas os espinhos.

Do lado de fora, sentindo a terra molhada no rosto, vendo-a grão a grão, olhos semicerrados, a paisagem era outra. Olhava para os pequenos caules, tão delicados, envoltos por pequenas e grandes folhas. Flores horizontais.

O orvalho gotejava em todas elas.

A sensibilidade tão aflorada às vidas que com a sua haviam cruzado. Flores da vida, fertilizadas e desplantadas por carícias, tapas, pontapés.

A caneta tremia na mão sobre os reflexos do luar, pretendendo endereçar palavras e sentimentos a quem não os tinha, a quem, não sabia, neste último momento, em seu despetalar que dispensou a extrema unção.

(Este texto se baseou em "Flores horizontais", de José Miguel Wisnik. Desafio proposto pelos amigos e colegas "poetinhas" a partir de sorteio de músicas escolhidas por nós).

3 comentários:

Di Giacomo disse...

Olha só, continua a carreira de escritora renomada? Minhas saudações

Thiago Alves disse...

Desvendando talentos!Gostei muito do seu blog!

Stella disse...

helô, caí aqui pelo 'mistura indigesta'. que bonito! posso linkar no meu? um beijo, stella.